quarta-feira, 2 de março de 2011

RITA, A GAROTA LEE - FATOS E FOTOS 1971

Musicalmente ela é um tremendo engano. Como gente é uma marca registrada. Gozando e comunicando, ela é uma happening na vida atribulada dos Mutantes e um pouco naquilo que todo jovem quer ser

Quem quiser conhecer a Rita que vive mutante também. Foi o que fiz. Arrumei as malas e saí atrás. A vida rocabolesca desta garota Lee – produto misto de Chacrinha e Shirley MacLaine – está aqui , toda contida, em 24 horas muito ligadas. Às vésperas da estréia do seu musical shakespeariano e entre uma e outra gravação do Som Livre, ela é quem diz: “A gente se diverte muito no meio disso tudo.”

Rita em que dia você vai estar onde?

-“Ó vem na quinta-feira que eu estou ensaiando no Rute Escobar, a tarde inteira.” Pois é, estaria. Acontece que justamente naquela quinta-feira ela e os meninos - Sergio e Arnaldo – acordaram curtindo uma de velocidade e resolveram de estalo comprar uma moto de fórmula. Se mandaram. E levaram nisso o tempo de ensaio, a paciência do diretor inglês e a boa vontade do elenco. Más afinal não era um negócio como os outros. Conseguiram a máquina de 13 milhões, por 4, no trambique. Toda equipada, macetada, pronta para correr no circuito de Araraquara, num dos próximos fins de semana.

Na pista, é bem possível que ela chegue em primeiro lugar, mas estréia dos Dois Cavaleiros de Verona jamais sairá da data prevista. No entanto, o entusiasmo de Rita é o mesmo quando se refere ao teatro ou a moto. Vibra em dobro.

Rita é isso. Calça Lee, jaqueta de segunda mão e uma sacola muito viajada, puxada pela cordinha. Quando canta sua voz frágil não tem grande importância. O que funciona é a imagem, sem retoques, do franjão loiro e do nariz sardento. Seu sorriso aberto, entre Os Mutantes – Arnaldo, Sergio, Luís e Liminha -, é a mola mestra do sucesso à parte que ela às vezes contraria para poder viver.

As nove canções de Shakespeare, musicadas nesta peça por Arnaldo (arranjador do conjunto), são tão importantes quanto um escape envenenador; e os novos rumos da musica pop brasileira são tão atraentes quanto rodar milhares de quilômetros. Se não fosse este ensaio, seria um espetáculo de TV, um show no interior, uma gravação no Rio, uma entrevista na rua, um compromisso qualquer e moto ficaria pra depois. Depois e depois. Fico com a impressão de que, aos 23 anos, Rita tem mesmo que escapulir para viver.

Rita, esperei por você a tarde toda, que foi que houve?

- É foi cano mesmo. Mas amanhã vou pro Rio, no sábado temos show em Lorena e no Domingo estou de volta.”

Enquanto Os Mutantes encaixotam as guitarras, eu refaço as malas, e embarcamos juntos na primeira ponte aérea. Como bons ciganos, de tanto ir e vir, os Mutantes onde se acomodam montam um lar. Na poltrona B6, Rita está em casa. Calça Lee branca, Jaqueta blue-jean, tamancos de frigorifico (descoberta sua em Porto Alegre) e bolsa a tiracolo do Service National Des Chamins de Fer (roubada durante o cochilo de um chefe de estação em Paris), nela não fazem gênero, são o óbvio. Arnaldo namorado de ginásio e companheiro de música, adormecido na poltrona em frente, não lhe estende as mãos, mas os pés; Rita, a namorada pop, acaricia.
RITA E CHAGRINHA FORAM OS PRIMEIROS A DESCOBRIR O NÔVO PODER DO RIDÍCULO

Se a moda do momento são as motos, Rita está sempre por cima.

Uma coisa é certa, ela diz o que pensa

- “Assim não dá – ela começa. Está tudo muito desorganizado. As passagens vêm em cima da hora e a gente nem sabe onde vai ser o programa. Parece que é no club Sírio e Libanês, sei lá.” Ela tem bronca seria com as gravações do Som Livre exportação, todas as semanas em externas.

- “Com essa de ser diferente a qualidade de som é uma droga não se escuta nada.” Mas a verdade é que a Som Livre está trazendo de volta a imagem unificada dos Mutantes, depois de uma fase de separação, meio beatleniana, versão happy end. Agora juntos, com mais dois, somando cinco, o conjunto vai dar um recado diferente Top Top nas paradas é um exemplo.

Quem vê a Rita assim, nessa rotação acelerada, pensa que vai conversar com uma vedetinha histérica e temperamental. Mas a imagem da menina do chiclete de bola na boca, da bolinha na bolsa e do uisquinho no copo não tem nada a ver . Ritinha está em outra. – Esse negócio de garota pra frente já ficou pra trás – Diz ela. Nunca fui isso não. As pessoas ficam pensando que sou muito avançada e quando a gente vai fazer show em cidade do interior acontece até uns mal-entendidos.” Eu também tinha esta impressão, mas Rita ao vivo é muito menos que um mito. Sempre pensei, por exemplo que ela era a bamba do som. Talvez, pela marca de suas aparições individuais no show-moda Build-Up, da Rhodia, e no júri do último Festival Internacional da Canção, achei que a moça inspirava aquele respeito.

- “Ô eu engano todos os instrumentos - diz ela para destruir. Nunca estudei música. Engano na flauta, no pandeiro, na guitarra e no teremi.” Teremi? Nunca ouvir falar. – “É um instrumento eletrônico inventado por um alemão e construído aqui (ou lá voando é difícil saber) em São Paulo, pelo Gláudio, irmão mais velho dos meninos. Tem uma espécie de antena com a aproximação da mão ele vai modulando os sons. “ É fato. Quem tiver a gravação de Caminhate Noturno pode identificar o seu som; onde entrar uma onda de zunido, é ele, o teremi. A essa altura me volta uma das primeiras lembranças que tenho de Rita Lee, na apresentação de Ando Meio Desligado, tocando minicassete para uma multidão. Na verdade Ritinha continua a mesma. Gozadora e livre.

Sua presença nos Mutantes, menos que um valor artístico tradicional, de bom ouvido e boa voz, é uma maneira de ser. Suas roupas alucinadas tem uma mensagem. De noiva, de odalisca, de fada ou de hippie, não importa: - “é onda”. Enquanto os críticos mais severos queimam pestanas e fundem os ips, tentando uma explicação. Rita resume tudo numa filosofia irreverente: - “A gente se diverte muito no meio disso tudo” O resto é resto.

Ser paulista é bom; mas americana é melhor

Neste contexto é quase dispensável dizer que Rita, aos 19 anos, fez um vestibular para a faculdade de Comunicação na USP, e passou. Se o sucesso não atravessa o seu caminho e Rita continua o curso, ia dar banho nos catedráticos. Em aulas praticas, particulares niguem a supera. Mesmo fora do palco.

- “Na minha família sempre fui fora de série – diz ela. Tenho mais duas irmãs e nenhuma delas gosta de música.” Tanto é que no Vila Mariana, no casarão do velho Lee tetraneto do general americano, nunca houve ensaios.

- “Nos reunimos sempre na casa de amigos ou então na casa dos meninos inventando nossas musicas. Às vezes apareço lá no Carola, um barzinho fechado ali na 13 de Maio. A gente vai entrando e se quiser pode tocar. Se não quiser também não precisa. É ponto de pessoal de teatro.” Até ai, nada. Mas quando – “só pra curti” -, Rita apronta com seu Jeep amarelo e corta o centro da cidade, pela madrugada, é pra ninguém botar defeito. E muita gente já comenta: são coisas da Rita.

Fotografar aranhas e lagartixas com sua câmera Pentax é mais uma das coisas de Rita. Brincar com uma jaguatirica (da família das onças) domestica – a Guna Lee – é outra. Treinar caratê em academia de japonês, também. E cantar evidentemente. No mais é gostar de São Paulo – “cidade mesmo tá ai” – e levar a magoa de não ser americana – musicalmente eu teria muito mais chances.” Mas quem nasceu Rita Lee sabe fazer da fossa um festival.

Vida comunitária sob teto de vidro

- “Preocupação de ganhar dinheiro não tenho muita. Pra gostar de música é preciso ter a cabeça muito limpa. Comercialização não dá. Se a gente quisesse podia ganhar muito mais.” Fico imaginando se ela ganhasse tudo que tem e mais o que deixou de ganhar. Com cuca e dinheiro, o mínimo que esses três Mutantes construíram seria uma segunda Alfa-Centauro. Por enquanto como na história dos três porquinhos , eles estão construído três casas na serra da Cantareira.

- “Elas ficam no mesmo terreno, mas uma afastada da outra. Tem telhados de vidro. Vou fazer lá um estúdio, inclusive para gravações. A idéia surgiu por causa da curtição de família. Ela explica. “A gente ensaia na casa dos meninos, não tem problema, mas sempre atrapalha um pouco. Depois é chato eu ficar chegando em casa todo dia ás 4 horas da manhã. Lá vai ser como um abrigo atômico. Quando a bomba estoura a gente não morre.” Meio quatrocenona meio hippie, Rita é na verdade uma tremenda simpatia. Se ela não é exatamente o mito da garota 2001, azar. Ela é., e fica sendo , Rita – a garota Lee.


QUEM: .......... Rita Lee
O QUE: ..........Rita, a garôta Lee
QUANDO: ..... 27 de Maio de 1971, numero 538
ONDE: ........... Revista Fatos e Fotos
EDITORA: ..... Abri
reportagem: Eugenia Fernandes e fotos de Claus Meyer ano 1971
Rita Lee, revista Fatos e Fotos  27/05/1971

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