segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A VOLTA DE RITA LEE DEPOIS DA PRISÃO EM 1976 - NUM EMBALO DE FUMAÇA COLORIDA COM FORÇA TOTAL. OITO MIL PESSOAS CURTIRAM O SEU SOM

DEPOIS DE LIBERTADA RITA LEE VOLTOU AOS PALCOS, NUM EMBALO DE FUMAÇA COLORIDA COM FORÇA TOTAL. OITO MIL PESSOAS CURTIRAM O SEU SOM. E TODOS ENTRARAM NA DANÇA

Um pouco de perplexidade da prisão parece ter marcado a volta de Rita Lee aos palcos. Pelo menos no traje. Depois de passar 10 dias numa cela de presídio feminino de São Paulo, a cantora se apresentou num uniforme estilizado de presidiária, diante de oito mil pessoas que lotavam a sede social da Sociedade Esportiva Palmeiras. E além de seu habitual grito de guerra – o rock – ela cantou (ao som do conjunto Tutti-Frutti) até música caipira. Em todas acompanhada por um coro alucinado (e alucinante) da platéia.

Aos 28 anos, grávida de quatro meses, desquitada de Arnaldo (do conjunto Os Mutantes), condenada a um ano de prisão domiciliar por uso de tóxico, em meio a uma longa tensão, a cantora (morando com os pais) descobre algumas coisas essenciais e redescobre outras.

Entre elas, a força que emana do povo. (durante o show ela agradeceu várias vezes à multidão pela força que lhe eram.)

- Como você se sente , nessa situação e grávida?

“Não sei o que seria de minha cuca se não fosse o baby. Ele me deu uma força incrível. Segurou todas as pontas. Quando eu estava na prisão, eu o sentia como a dizer: agüenta a barra, agüenta ... E realmente eu agüentei. Só cheguei a mim desesperar quando precisei de uns medicamentos. Tenho problemas com a gravidez, aquela coisa de não segurar o baby, saca? Então precisei de uma injeção, que faz parte do tratamento pré-natal, e como a injeção demorava, eu me desesperei.”

-Você recebeu manifestações de solidariedade?

“Na minha cela havia mais nove mulheres, presas por outros motivos. Elas entenderam a minha situação e foram maravilhosas. Sempre que podiam, me pediam para cantar Ovelha Negra. Cantei o que pude. E escrevi coisas. Dessa experiência, e da solidariedade recebida, vão aparecer muitas coisas em meu trabalho. No natal volto à prisão, a fim de fazer um show para as detentas. As manifestações de solidariedade vêm de todos os lados. Diariamente pinta um bando de crianças lá em casa só pra me ver pela janela, de relance. Fico contente, pois sempre curti muito criança.”

-Quais os prejuízos que a prisão lhe trouxe?

“É difícil calcular. A interrupção da temporada me custou cerca de 150 mil cruzeiros. Os advogados também me custaram mais ou menos isso. O que significa que estou tremendamente dura, endividada. Mas até nisso recebo solidariedade. Em meu show não recebi nenhum pedido de ingresso de cortesia. Em vez disso eles foram descolar 40 paus pra me ver no Palmeiras. Isso me conforta, é legal saber...”

-Com a publicidade seus discos não venderam mais?

“Nunca venderam tanto em tão pouco tempo. Na semana passada, chegaram vender 50 mil. Acontece que cancelamos nossa temporada pelo país. Íamos sair com o show Entradas e Bandeiras de Norte a Sul. Agora, não vai da mais pé. A justiça alega que não tem pessoal que possa nos acompanhar, nos vigiando, sabe como? Então fomos obrigados a suspender tudo.”

-E o pessoal que foi preso com você?

“Monica Lisboa, nossa empresária, foi absolvida. Judy Espencer , tal como aconteceu com o Gil, está em tratamento. Stone nosso divulgador, também está com prisão domiciliar. Não estamos na chamada prisão-albergue porque parece que elas estão lotadas, aqui em São Paulo.”

-Você acha que as recentes detenções de pessoas famosas – Gil, Susana Gonçalves, vocês- acusados de usarem ou portarem tóxicos, seriam coincidência ou se trata de uma estratégia policial que, em última análise, visaria reunir os famosos para dar um exemplo?

“prefiro não responder” Rita olha para os lados, procura localizar alguma coisa, mexe com os cabelos, deixa de sorrir).

Como você se viu nesse show?

“Estava louca de saudade das pessoas, com vontade de vê-las, tocá-las, cantar para elas. E elas também, ver se engordei, se o baby está legal, como está o meu som. Fiquei desesperada para voltar ao trabalho. Minha terapia é tocar, sabe? Quando sentir dores, lá na prisão, tocava sem parar. Jamais vou parar de tocar.”

-Ultimamente você foi intitulada rainha do rock brasileiro. Que acha do titulo e/ou da faixa?

“meu trono por uma rede. Mas também achei um negócio estranho. E digo que quem quiser sentar no trono ou na rede, tudo bem. Não é meu não, e nem tenho esse tipo de pretensão.”

-Como você define o seu som atual?

“É difícil definir. E mesmo que fosse possível, acho que não conseguiria. Eu não defino nada. A minha música não se apega a nenhuma forma, a nenhum método, a nenhuma filosofia. É o meu dia-a-dia. Ela sai de dentro pra fora e de fora pra dentro. Tudo me influencia. E quando tenho opiniões, dou essas opiniões. Acho que, de vez em quando, falo por uma porção de gente.”

Porque depois de Celly campelo, rainha da década passada, só pintou você fazendo rock?

“Não sei, é muito complexo. Eu tive uma escola diferente. Fiquei muito tempo com Os Mutantes e aprendi coisas que não se aprende facilmente. Aquela coisa de ligar guitarra, puxar fio, adaptar sons, montar shows, estudar luzes, roupas, fazer letras. A barra de vez em quando pesa, principalmente na aquisição de material eletrônico. Talvez por isso não tenha aparecido outro intérprete de rock. Mas nunca pensei nisso.”

-Pode-se falar em rock brasileiro?

“O rock que faço, com apito, cuíca e chocalhos em cima de instrumentos eletrônicos é rock brasileiro não? Mas a gente faz isso há muito tempo, desde os tempos dos festivais de música, com Gilberto Gil. Nós cometíamos esse desacato. Hoje, o Martinho da Vila toca samba com guitarra elétrica. Acho que o rock é um som universal. Por isso, prefiro dizer que faço música. Já fiz até tango. Numa boa.”

E o chamado rock brasileiro que se ouve por ai? Esse que o pessoal diz letras em inglês sem saber o que significa...

“Olha, pra mim é tão importante som quanto a letra. Acredito que o som, sozinho, possa contagiar. Pelo menos era assim no começo do rock. Hoje não. A letra tem importância fundamental. É nela, por exemplo, que eu me digo. Quando faço um show eu gravo um disco, sempre alerto: ouçam a letra, me ouçam!”

Em quanto vai curtindo sua prisão domiciliar (só pode sair no período das 7 ás 19 horas) na casa de seus pais, em companhia de seus três gatos maracajás (espécie de jaguatiricas), Rita Lee espera pelo melhor: o nascimento de seu baby. Será o primeiro neto da família. Ás outras duas irmãs da cantora - mais velhas e casadas há mais tempo – não tem filhos. A futura criança é filha de Rita com o musico de nome Roberto. “É preciso dar sobrenome?”

 
Reportagem de Nello Pedra Gandara
Fotos de Kiyoshi Yamada
Revista fatos e fotos gente 1976

Nenhum comentário:

Postar um comentário